(capítulo do livro “Caminhos, Escolhas e Conquistas” de autoria de Solon C. Araujo e editado pela ANPII, 2018).
A melhor maneira de prever o futuro é criá-lo (Peter Drucker)
O homem, ou o ser humano para ser politicamente correto, sempre se preocupou em prever o futuro. Os oráculos dos gregos, as entranhas de galinha em Roma, Nostradamus, búzios, etc. Sempre uma empreitada arriscada. Hoje temos fórmulas, algoritmos e outros recursos tecnológicos para plotar tendências, mas, por outro lado, vivemos em um mundo altamente e rapidamente mutável, com os novos eventos ocorrendo em uma velocidade difícil de ser acompanhada.
Mesmo assim vou tentar indicar o que me parecem ser eventos com grandes possibilidades de virem a acontecer.
O consórcio de microrganismos, do qual a coinoculação parece ser a ponta do iceberg, e o inoculante para a cana de açúcar, com cinco tipos de bactérias, um passo mais à frente, deve ser a grande linha de pesquisas para os próximos anos. Desde que Peter Tompkins e Christopher Bird lançaram o livro “A Vida Secreta das Plantas” diversos estudos foram desenvolvidos sobre o tema, ficando, entretanto, por muitos anos como coisa “alternativa”, de “bicho grilo”, sem base científica.
Mas nos últimos anos a ciência vem demonstrando, de forma cada vez mais concreta, que as plantas se comunicam. Por uma forma de sinais bioquímicos, mas com coerência, com sentido, com propósito. Mais recentemente Peter Wohlleben, em “A vida Secreta das Árvores” fala de uma “internet das árvores” com uma intensa comunicação entre as raízes das árvores de uma floresta, a “wood wide web”, e destas com fungos micorrízicos.
A comunicação entre bactérias e fungos com as raízes também é um fato cada vez mais estudado. Dentro do tema deste livro temos um, já muito bem estudado: a comunicação entre as raízes das leguminosas e as bactérias simbióticas, com as raízes “chamando” as bactérias quando necessitam de nitrogênio e as repelindo quando tem o elemento sob a forma química, prontamente aproveitável.
Esta comunicação, a sinergia ou o antagonismo existente entre estes seres abre um campo inimaginável para a pesquisa. Trabalhamos hoje com microrganismos isolados, em “caixas” como é nosso pensamento cartesiano. Mas na natureza não existe esta separação. Hoje sabemos que o Azospirillum potencializa o efeito do Rhizobium/Bradyrhizobium, mas já existem trabalhos mostrando efeitos sinérgicos entre as bactérias fixadoras com outras bactérias, como alguns Bacillus e Pseudomonas. O consórcio entre rizóbios e fungos micorrízicos é um campo extremamente atraente, por serem ambos organismos que formam simbioses com as plantas. Mas este é um assunto que daria, por si só, um outro livro. Algum leitor se habilita?
Já surgem hoje no mercado alguns produtos com múltiplos microrganismos, ainda sem uma base científica mais sólida, mas já sinalizando que este é um caminho sem volta. No momento que que a pesquisa entrar com mais “apetite” neste segmento, fazendo trabalhos cooperados com a indústria, desenvolvendo paralelamente a parte científica e tecnológica, teremos fantásticas novidades
No campo das bactérias não simbióticas há um mundo pela frente. Será possível aumentar a fixação destas bactérias, otimizar o efeito da nitrogenase? Já existem processos de seleção de cepas neste sentido, cepas que exsudam grandes quantidades de amônia. Mas além da seleção, é possível algum outro tipo de intervenção? O conhecimento da comunicação (vou deixar de colocar esta palavra entre aspas porque existe mesmo uma comunicação) entre estas bactérias e as plantas abrirá um campo para grandes trabalhos de seleção de cepas e de cultivares responsivas a estas bactérias. Quando deixarmos de estudar as coisas em separado (o melhorista com as cultivares e o microbiologista com as bactérias e fungos) e passarmos a ter uma pesquisa mais holística, uma visão mais integral do sistema solo-microrganismo-planta, com certeza teremos avanços.
Outra linha interessante é a de microrganismos multifuncionais (multifuncionais sob o ponto de vista utilitário). Nenhum microrganismo exerce função específica, isolada. Assim, um Bradyrhizobium fixa nitrogênio, mas também produz hormônios e outros produtos em sua interação com as plantas. O Azospirillum é um caso típico de multifuncionalidade: fixa nitrogênio, produz hormônios, solubiliza fósforo e confere proteção às plantas contra estresses bióticos e abióticos, em especial contra a baixa disponibilidade de água. Determinadas cepas se “especializam” em uma das funções, que passa a ser a predominante, embora se discuta se essa “especialização” não seria mutável, reversível em função do momento e do ambiente no qual se encontrem planta e microrganismo. O sistema planta-bactéria responderia diferentemente aos estímulos ambientais. Mas a seleção de gêneros, espécies e cepas com capacidade de “transitar” com igual eficiência por diversas funções, respondendo aos estímulos ambientais pode ser um fascinante caminho para pesquisadores criativos.
Um dos sonhos de muitos pesquisadores era, e ainda é em certa medida, o de inserir o gen da fixação do nitrogênio na própria planta. Assim, a planta, por si só, fixaria todo o N de que necessita, independente da bactéria. Anos atrás, quando se falava nisto, a expressão usada era “impossível.” Hoje esta palavra está meio desmoralizada. Muita coisa que era impossível se tornou banal. Assim, embora os indicadores para introduzir o gen da fixação em plantas se mostrem uma das tarefas mais difíceis, pela complexidade do sistema, eu não me animo a dizer que seja impossível. Quem sabe um dia?
A engenharia genética poderá abrir enormes horizontes, direcionando microrganismos para o que desejamos. Há toda uma complexidade legal, maior que a dificuldade tecnológica, mas a engenharia de bactérias poderá alterar em muito nossas atuais concepções sobre uso de bactérias e fungos na agricultura.
Outros caminhos se delineiam, menos complexos, mas não menos importantes, mesmo porque poderão dar importantes respostas mais rapidamente.
Já vimos em capítulos anteriores que a inoculação do feijoeiro é, tecnicamente, uma realidade, embora ainda necessite de uma amplitude maior para sua aceitação pelo mercado. Mas o caminho é irreversível e em poucos anos teremos a inoculação do feijoeiro como uma prática rotineira por parte dos agricultores, no mesmo patamar tecnológico que hoje temos na soja, com um elevado percentual de utilização nas lavouras de feijão.
Quanto ao Azospirillum, sabemos que esta bactéria é capaz de se associar com as raízes de mais de cem culturas. Hoje temos o uso apenas em quatro. Um mundo pela frente. No caso desta bactéria ainda há um empecilho legal que poderá retardar sua disseminação para um número maior de cultivos. A legislação está exigindo, para registro, o teste de eficiência agronômica de cada marca de produto, quando, a nosso ver, bastaria que se demonstrasse, por trabalhos de pesquisa, que um produto com a cepa X e concentração Y é eficiente. Cada produto, independente de marca, que tivesse as características acima teria seu registro por similaridade. Uma mudança nesta parte da legislação traria um avanço muito grande na entrada da bactéria em novos cultivos, ampliando o leque de utilização de produtos que não causam danos ao ambiente.
Também no campo das bactérias de vida livre, a Herbaspirillum, já bastante pesquisada na Embrapa Agrobiologia, aparece como uma excelente oportunidade para incrementar o aporte de nitrogênio via biológica no milho. Existem dados confiáveis, mas ainda não se partiu para testes de campo em maior amplitude e também em testes para produção e veiculação em larga escala.
E o que dizer das demais bactérias fixadoras de vida livre? Azotobacter foi muito pesquisada nos países do Leste Europeu, na década de 60, mas com resultados não muito consistentes, embora a metodologia científica na área agrícola daquela época e naqueles países ainda estivesse mais ligada à ideologia que à ciência. Quem sabe retomar os estudos com técnicas atualizadas com Azotobacer, Beijerinckia e outras bactérias que foram descobertas mais recentemente?
A estrada para o uso de produtos microbiológicos no mundo não tem pontos de retorno. A viagem começou, entramos em uma estrada pela qual só podemos transitar para a frente. Diversos países têm planos estratégicos para diminuir drasticamente o uso de produtos químicos na agricultura. O Brasil é um país com uma excelente base científica em microbiologia, com entidades de pesquisa voltadas para este ramo e com empresas aptas a lerem e internalizarem e desenvolverem as novas tecnologias.
Aí está a grande oportunidade!
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